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Cientista diz ter achado escrita mais antiga

Placa de pedra relataria vitória de monarca lendário do Egito, ocorrida há 5.250 anos

Reinaldo José Lopes escreve para a 'Folha de SP':

Um casal de estudiosos norte-americanos afirma ter encontrado o mais antigo registro escrito humano, com 5.250 anos de idade, num oásis egípcio.

Os desenhos estilizados, feitos numa placa calcária de 50 cm de comprimento, podem confirmar de vez o Egito como um dos berços da escrita e trazem indícios sobre um monarca mítico, o Rei Escorpião.

Os desenhos em si já são bem conhecidos dos arqueólogos: John Coleman Darnell e sua esposa Deborah, egiptólogos da Universidade Yale, nos EUA, deram de cara com eles em 95, enquanto pesquisavam a passagem de antigas caravanas comerciais por Gebel Tjauti, a 400 km do Cairo, capital egípcia.

A região faz parte do chamado Alto Egito, porção do país distante do litoral e de uma secura extrema. Depois de mais escavações e exames das inscrições, o casal Darnell veio a público para dizer qual o significado dele.

'Realmente sentimos que este é o mais antigo documento histórico conhecido', disse John Darnell ao jornal americano 'The New York Times'. 'Pode não ser uma escrita completa, mas a placa é realmente capaz de transmitir quem fez determinada coisa, o que ele fez e quando', afirmou. O casal deve publicar um livro em junho detalhando seus achados.

No caso, o 'quem' do casal Darnell pode ser o lendário Rei Escorpião, guerreiro e soberano da época em que o Egito ainda não tinha os faraós como seus senhores supremos e estava dividido em principados regionais, às vezes agrupados em Baixo Egito (a região em que o Nilo deságua no Mediterrâneo) e Alto Egito (as terras do deserto).

'O Rei Escorpião pertence a uma série de reis do período protodinástico [antes das dinastias faraônicas' e teria ajudado na unificação do Egito num só reino', explica o egiptólogo brasileiro Antonio Brancaglion Júnior.

De acordo com Darnell, o desenho relataria o retorno vitorioso do Rei Escorpião à cidade de Ábidos, depois de vencer um rival em Naqada. A identificação do famigerado rei foi feita porque a imagem estilizada de um falcão aparece sobre um escorpião no 'texto'.

A ave é o símbolo do deus Hórus (que, por sinal, tem cabeça de falcão) e era usada como sinônimo de 'rei' pelos egípcios.

A série de desenhos continua com uma bela quantidade de sinais com todo jeito de serem ideográficos - ou seja, não eram mais só figuras, mas exigiam uma interpretação simbólica, como a escrita.

Exemplos disso são a imagem de uma ave devorando uma serpente - o rei vencendo seu inimigo traiçoeiro, ou a ordem sobre o caos - ou uma cabeça de touro sobre um cajado, que pode representar o nome do vencido.

Embora outros especialistas na história egípcia estejam cautelosos em dizer que o fanfarrão representado na placa seja mesmo o tal Rei Escorpião, a importância do achado parece ser inquestionável.

Afinal, o início da história humana costuma ser associado com o aparecimento da escrita. 'É um documento histórico, não há dúvida', disse Renée Friedman, egiptóloga do Museu Britânico, em Londres.

'Esse achado, se eles conseguirem confirmá-lo, é mais uma evidência de que a escrita apareceu de forma independente no Egito, talvez um pouco antes do que na Mesopotâmia', afirma Brancaglion, explicando que os sinais mais antigos de escrita nessa região surgem por volta de 3100 a.C.

'As figuras do falcão e do escorpião realmente lembram muito os primeiros hieróglifos', diz o pesquisador. Contudo, ele ressalta que as outras imagens se parecem com a arte pré-histórica do Saara, o que pode sugerir uma fase de transição entre desenhos e escrita.

Brancaglion diz que o interesse pelo Rei Escorpião anda crescendo graças à série de filmes 'A Múmia', no qual ele é interpretado pelo lutador The Rock. Não por acaso, o guerreiro vai ganhar em breve um episódio só seu.

(Folha de SP, 17/4/2002)